9/18/2007

Artefatos do Medo


Hoje viajamos ao Rio para apresentações de O Coração Delator e Outsider na programação do projeto Artefatos do Medo, em unidades do SESC.

9/10/2007

Home? I have no home 1955-1994

Home? I have no home. Hunted, despised, living like an animal, the jungle is my home! But I will show the world I can be its master. I shall perfect my own race of people, a race of atomic supermen that will conquer the world!
Bela Lugosi como Dr. Vornoff em Bride of the Monster, Ed Wood, 1955

Home? I have no home. Hunted, despised, living like an animal, the jungle is my home! But I will show the world I can be its master. I shall perfect my own race of people, a race of atomic supermen that will conquer the world!
Martin Landau como Bela Lugosi em Ed Wood, Tim Burton, 1994

9/09/2007

Domingo 09

Uma idéia penetrou no meu cérebro...

Fim da pequena temporada d'O Coração Delator, nos preparamos agora para a viagem cheios de idéias na cabeça. Sabemos que um espetáculo é um organismo vivo, que se transforma, muda, surpreende aos seus próprios criadores, às vezes fala por si. Aí reside o fenômeno que caracteriza o evento teatral: a força do momento presente na comunhão com o espectador. Sempre novo, sempre único.
Esperamos repetir no Rio essa performance viva.
Será diferente é óbvio.
E esse é o encanto da coisa.

Sábado 08


Um teatro de carne e sangue.

Do espírito.

9/07/2007

sexta 07


A primeira sessão da nova temporada d'O Coração em Floripa foi bela, estranhamente bela, como toda boa obra de Horror.

As paredes seculares do teatro-cripta abrigaram o público silencioso, concentrado, absolutamente entregue à fantasia ritualística da encenação e à poesia delirante de Poe.

Aos espectadores, agora iniciados nas artes obscuras do Corvo, que estavam conosco em cada ação, respiração, transição, em cada luz e música, em cada palavra extraída entre os dentes, na pausa e na explosão, agradecemos.

Em troca da honra de sua presença oferecemos a sinceridade de nosso pequeno poema em ação.

Bons sonhos.

9/01/2007


Nos preparando para a pequena temporada no Rio de Janeiro na segunda quinzena de setembro, voltamos com O Coração Delator, no espaço-cripta de sempre.

A Temporada é curta. O teatro é pequeno. No máximo 40 espectadores por sessão.


Quem quiser garantir um bom lugar pode reservar aqui pelo blog, é só deixar o nome, o email e o número de reservas e entramos em contato.


As entradas custam R$ 20,00 (inteira) e R$ 10, 00 (estudantes).


Garantimos alguma poesia.


Os espíritos mais sensíveis podem sentir medo.


A arte do flyer é do Gustavo Cachorro.

Lovecraft

Um dos mais carismáticos autores da literatura fantástica, Lovecraft seguiu os passos de Allan Poe na construção de uma obra vasta e peculiar. Seus textos se caracterizam pela construção de universos místicos e misteriosos, pela presença de monstros de formas incompreensíveis, frutos da mistura entre a tradição oral popular e a inventividade do ambiente científico de sua época.


Mas apesar da forte influência de seu antecessor a obra de Lovecraft distancia-se de Poe, na medida em que abre mão da psicologia dos personagens em favor da ausência de explicação plausível, do mistério absoluto. Seus textos criam mitologias próprias e explicam pouco, sugerindo o “inconcebível, indescritível e indizível...” que abrem espaço na mente dos leitores para uma construção imaginária particular. Em Lovecraft cada um cria seu próprio monstro.

Lovecraft é dono de uma biografia recheada por problemas de uma saúde frágil e perdas constantes de pessoas amadas, que transparecem sempre de forma metafórica nos seus contos.

The Outsider foi escrito quando da perda de sua mãe, e revela uma melancolia e uma solidão perturbadoras. O doce monstro da história é um desajustado, à margem da sociedade, “um estranho nesse século e entre os que ainda são homens”, a própria imagem do abandono e da incompreensão.

Universo de monstros intangíveis

A emoção mais forte e mais antiga do homem é o medo, e a espécie mais forte e mais antiga de medo é o medo do desconhecido. Poucos psicólogos contestarão esses fatos, e a sua verdade admitida deve firmar para sempre a autenticidade e dignidade das narrações fantásticas de horror como forma literária. Contra ela são desferidos os dardos de uma sofisticação materialista que se apega a emoções freqüentemente sentidas e a eventos externos, e de um idealismo ingenuamente inspirado que reprova o motivo estético e reclama uma literatura didática que “eleve” o leitor a um grau apropriado de otimismo alvar.

Lovecraft: autor de sensibilidade devastadora


(...) Mas os sensitivos estão sempre conosco, e às vezes um curioso lampejo de magia invade um recanto obscuro da cabeça mais empedernida; de modo que nenhuma dose de racionalização, de reforma ou de análise freudiana é capaz de anular completamente o arrepio do sussurro no canto da lareira ou da floresta solitária. É decorrência de uma conformação ou tradição psicológica tão real e tão fundamente arraigada na experiência mental quanto quaisquer outras conformações ou tradições da humanidade; coeva do sentimento religioso e intimamente relacionada a muitos dos seus aspectos, é parte por demais intrínseca da nossa herança biológica mais visceral para perder a forte influência que exerce numa minoria significativa, mesmo se não muito numerosa, da nossa espécie.


H. P. Lovecraft, O Horror Sobrenatural na Literatura.

O medo como símbolo

O Gabinete do Doutor Caligari, Robert Wiene, Alemanha,1919.

Comecemos assumindo que uma história de horror, não importa quão primitiva, é alegórica por sua própria natureza, que é simbólica – assumindo que ela, tal como um paciente no divã do analista, nos fala sobre uma coisa quando quer nos dizer outra. O horror nos atrai porque ele diz, de uma forma simbólica, coisas que nós teríamos medo de falar de viva voz, e aos quatro ventos; ele nos dá a chance de exercitar (veja bem; exercitar, e não exorcizar) emoções as quais a sociedade nos exige manter ao alcance da mão.

Stephen King, Dança Macabra

Paradoxo do Coração

Horror, por convenção, pretende referir -se ao produto de um gênero que se cristalizou, falando de modo bastante aproximado, por volta da época da publicação de Frankenstein – ponha ou tire quinze anos - e que persistiu, não raro ciclicamente, através dos romances e peças do século XIX e da literatura, dos quadrinhos, das revistas e filmes do século XX. (...) O gênero do horror, que atravessa muitas formas de arte e muitas mídias, recebe seu nome da emoção que provoca de modo característico, ou antes, de modo ideal; essa emoção constitui a marca da identidade do horror.


Noël Carrol, A Filosofia do Horror ou Os Paradoxos do Coração.

O Ator Misterioso

Se o ator não se maquiasse, seria possível ver no seu corpo marcas, listras, manchas percorrendo a epiderme. Todo mundo vê, mas ninguém ousa dizer que, quando o ator representa, sua pele fica totalmente transparente e se vê tudo o que tem dentro.
Valère Novarina

Outsider

O ator misterioso é aquele que constrói ações, consciente de que, o que é visível aos olhos do espectador é apenas uma pista, que indica o caminho tortuoso que leva ao intenso processo interno e velado que move e justifica essas ações.


Nesse sentido as ações têm um caráter essencialmente poético, na medida em que se conformam como retratos análogos ou metafóricos das idéias e ações explicitadas no texto e na encenação. O ator misterioso não mostra nem conta, ele sugere e descortina. O espectador não assiste impassível a um desenrolar de fatos, mas decifra uma sucessão de sinais artesanalmente justapostos e emitidos através do corpo domado do ator.


O Coração Delator


Todas as habilidades técnicas, produzidas por anos de formação, devem igualmente tornar-se misteriosas, invisíveis frente à necessidade primeira de humanidade do personagem, que torna o seu comportamento crível e a história que vive plausível, apesar de estranha.
A técnica existe como um segredo que não pode ser revelado, pois o que interessa ao espectador não são as habilidades extra-humanas do ator, mas os afetos demasiado humanos do personagem.

A apropriação do texto como disparador e guia para a construção das ações é uma via de mão dupla na qual o ator deixa-se influenciar de maneira absoluta pelas palavras do autor, ao mesmo tempo em que tenta ultrapassar os significados limitados da palavra escrita, deixando antever que o que está falando esconde em suas entrelinhas um território desconhecido de memórias, imagens e estados de alma. O ator está em grande parte do tempo querendo dizer uma coisa, ao mesmo tempo óbvia e distante, que o atormenta e o impele à ação.

Nesse sentido o intenso aproveitamento dramático da pausa serve, para além de suas possibilidades de sugestão e de produção de expectativa, como vínculo definitivo entre ator e espectador, sustentado pela eloqüência do olhar. O silêncio, para o ator misterioso, diz tanto ou mais do que qualquer palavra.

Outsider


Conhecer texto e autor em profundidade é fundamental na medida em que a ficção é o substrato firme sobre o qual o ator age, cuja estrutura sólida o permite construir com eficiência a narrativa misteriosa e o impede de cair no fosso sem fim da abstração carente de sentido e da auto-referência gratuita. Numa performance misteriosa madura o ator já não reconhece divisão entre texto e ação, na medida em que ambos representam uma unidade criativa orgânica e indivisível.

A simplicidade dos meios cenográficos obriga o ator a lançar mão de recursos poéticos também no manuseio dos poucos elementos cênicos, que devem colaborar para o desenvolvimento das ações, nunca num sentido ilustrativo ou meramente decorativo, mas assumindo por muitas vezes funções dramáticas específicas, diferentes daquelas do seu uso cotidiano. A idéia é de que esses objetos possam criar, a partir da exploração criativa do ator e tendo em vista as propostas da encenação, uma significação múltipla e enigmática. O ator dá vida aos mistérios do objeto, expondo seus sentidos obscuros e sugerindo uma vida ativa insuspeita nas coisas inanimadas.

O ator misterioso não trabalha com a exposição virtuosa de suas intenções, mas com a contenção de seus impulsos espetaculares, atuando sempre sobre um campo de tensões não ditas e desejos inconfessáveis. Esta tensão crescente encaminha meticulosamente as ações misteriosas até o momento da terrível e fantástica revelação final, no qual o destino fatídico do personagem finalmente vem à tona.

Renato Turnes

Poe

Era um homem gasto e amarelado, uma coisa sagrada e quase esquecida; velhas e longas cicatrizes cruzavam-lhe o peito.
Jorge Luís Borges



Edgar Allan Poe (1809 – 1849) é um dos mais lidos e admirados ficcionistas norte-americanos de todos os tempos. Dono de uma biografia atormentada por fantasmas pessoais e obsessões misteriosas que se refletem em sua obra genial, ficou célebre como autor de contos fantásticos e poemas igualmente assombrosos.

Antes de Poe a maioria dos autores do fantástico trabalhou sem a compreensão da base psicológica da sedução provocada pelo horror, pois criavam cerceados pela conformidade a certas convenções literárias fúteis como o final feliz, a virtude premiada, um didatismo moral oco, a aceitação de valores populares e a defesa das idéias artificiais da maioria. Poe ao contrário percebeu que todas as faces da vida e do pensamento são igualmente apropriadas para o artista e decidiu ser o intérprete desses sentimentos poderosos ligados à dor, à decadência e ao medo, que geralmente apresentam-se como contrários às normas e julgamentos estéticos tradicionais.

A atitude científica de Poe fez com que estudasse a mente humana mais profundamente que seus antecessores góticos, buscando um conhecimento analítico das verdadeiras fontes psicológicas do horror, redobrando assim a força das narrativas e livrando-as da mera confecção convencional de calafrios. No resultado desse trabalho encontramos personagens de malignidade convincente, que inauguram um padrão novo e definitivo de realismo na ficção de horror.

Depois de sua inexplicada morte aos 40 anos, sua obra foi descoberta por Baudelaire que o traduziu para o francês e revelou seu impressionante talento ao mundo. Para o poeta francês Paul Valéry, ele foi “o único escritor impecável”. Para Verlaine e Rimbaud, chegou a ser “o poeta máximo”. Também autores de língua portuguesa foram seduzidos pelos seus versos. Fernando Pessoa e Machado de Assis estiveram entre seus tradutores. Sua obra perpetua-se na influência que exerce nos escritos de Lovecraft, Julio Verne, Kafka, Borges, Cortázar, Stephen King e na obra de encenadores, cineastas e artistas plásticos interessados no fantástico como forma de expressão artística.

A importância literária de Poe é imensa. É um autor fundamental, considerado um importante precursor do gênero fantástico, da ficção científica e do romance policial e o criador do modelo clássico do conto, como forma literária autônoma. Autor de uma vasta obra, na qual contrapõe a imaginação sombria e delirante a um rigoroso apuro formal, oscila entre temas como assassinatos, morte, terror e mistério, colóquios estéticos e filosóficos e textos humorísticos, revelando uma singular capacidade criativa e imensa força dramática.

Sua obra seminal continua a influenciar toda uma linhagem de artistas que se dedicam ao gênero, além de transformá-lo numa espécie de ícone para uma cultura underground urbana composta por diversas tribos que cultuam seus escritos, como obras-primas absolutas do mistério e do sobrenatural. Cada vez mais atual e pungente, a fascinante obra de Edgar Allan Poe nos mostra faces misteriosas e assustadoras da natureza humana, ajudando-nos a questionar as visões mais rasteiras, céticas e desgastadas da nossa própria humanidade.

Renato Turnes