9/01/2007

Poe

Era um homem gasto e amarelado, uma coisa sagrada e quase esquecida; velhas e longas cicatrizes cruzavam-lhe o peito.
Jorge Luís Borges



Edgar Allan Poe (1809 – 1849) é um dos mais lidos e admirados ficcionistas norte-americanos de todos os tempos. Dono de uma biografia atormentada por fantasmas pessoais e obsessões misteriosas que se refletem em sua obra genial, ficou célebre como autor de contos fantásticos e poemas igualmente assombrosos.

Antes de Poe a maioria dos autores do fantástico trabalhou sem a compreensão da base psicológica da sedução provocada pelo horror, pois criavam cerceados pela conformidade a certas convenções literárias fúteis como o final feliz, a virtude premiada, um didatismo moral oco, a aceitação de valores populares e a defesa das idéias artificiais da maioria. Poe ao contrário percebeu que todas as faces da vida e do pensamento são igualmente apropriadas para o artista e decidiu ser o intérprete desses sentimentos poderosos ligados à dor, à decadência e ao medo, que geralmente apresentam-se como contrários às normas e julgamentos estéticos tradicionais.

A atitude científica de Poe fez com que estudasse a mente humana mais profundamente que seus antecessores góticos, buscando um conhecimento analítico das verdadeiras fontes psicológicas do horror, redobrando assim a força das narrativas e livrando-as da mera confecção convencional de calafrios. No resultado desse trabalho encontramos personagens de malignidade convincente, que inauguram um padrão novo e definitivo de realismo na ficção de horror.

Depois de sua inexplicada morte aos 40 anos, sua obra foi descoberta por Baudelaire que o traduziu para o francês e revelou seu impressionante talento ao mundo. Para o poeta francês Paul Valéry, ele foi “o único escritor impecável”. Para Verlaine e Rimbaud, chegou a ser “o poeta máximo”. Também autores de língua portuguesa foram seduzidos pelos seus versos. Fernando Pessoa e Machado de Assis estiveram entre seus tradutores. Sua obra perpetua-se na influência que exerce nos escritos de Lovecraft, Julio Verne, Kafka, Borges, Cortázar, Stephen King e na obra de encenadores, cineastas e artistas plásticos interessados no fantástico como forma de expressão artística.

A importância literária de Poe é imensa. É um autor fundamental, considerado um importante precursor do gênero fantástico, da ficção científica e do romance policial e o criador do modelo clássico do conto, como forma literária autônoma. Autor de uma vasta obra, na qual contrapõe a imaginação sombria e delirante a um rigoroso apuro formal, oscila entre temas como assassinatos, morte, terror e mistério, colóquios estéticos e filosóficos e textos humorísticos, revelando uma singular capacidade criativa e imensa força dramática.

Sua obra seminal continua a influenciar toda uma linhagem de artistas que se dedicam ao gênero, além de transformá-lo numa espécie de ícone para uma cultura underground urbana composta por diversas tribos que cultuam seus escritos, como obras-primas absolutas do mistério e do sobrenatural. Cada vez mais atual e pungente, a fascinante obra de Edgar Allan Poe nos mostra faces misteriosas e assustadoras da natureza humana, ajudando-nos a questionar as visões mais rasteiras, céticas e desgastadas da nossa própria humanidade.

Renato Turnes

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