8/31/2007

Lugosi. Personagem e Maldição

Feche os olhos e imagine um vampiro. Certamente você verá o salão de um castelo envolto em brumas sinistras, uma longa escadaria de pedra. Descerá então a escada, entre teias de aranha e morcegos esvoaçantes, um homem de ares aristocráticos, em roupas de gala, uma longa capa negra, os cabelos brilhantes impecáveis e olhos de punhal.

Você imaginou Bela Lugosi, o ator que incorporou de forma definitiva o mito do vampiro, a partir do filme clássico de Tod Browning: Drácula (1931).



Os estúdios Universal popularizaram o gênero horror durante o ciclo dos filmes de estrelas como Lugosi e Karloff

Nascido na Hungria, a poucos quilômetros da mítica Transilvânia, Bela já havia interpretado com sucesso o vampiro de Bram Stoker no teatro europeu, quando foi levado a Hollywood e imprimiu a força de sua interpretação sedutora e de seu sotaque carregado ao personagem. Foi também o ator predileto de Roger Corman em sua série de filmes baseados na obra de Allan Poe. Transformado rapidamente num astro rendeu milhões aos estúdios, durante alguns poucos anos de trabalho intenso.


Mas tornou-se um ator vampirizado pelo personagem que criara, numa analogia pobre, mas inevitável. Menosprezado pela indústria ávida por novidades e incapaz de lutar contra os rótulos limitantes que lhe foram impostos, foi escalado para filmes cada vez mais ridículos, caça-níqueis onde repetia à exaustão seu personagem-sina.


Bela e seus reflexos: distorções de uma alma aprisionada


Sua atuação afetada tornou-se anacrônica e por não dominar o estilo naturalista triunfante em Hollywood nem ostentar a beleza sobre-humana das outras estrelas de sua época, foi esquecido. Humilhado e miserável sucumbiu ao álcool e à morfina, consumindo-se no conflito doloroso com sua própria criatura.

Morreu em 1956 no início das filmagens de Plan 9 from Outer Space, de Ed Wood, que muitos aclamam como o pior filme de todos os tempos. O cineasta terminou a fita filmando um dublê de costas, em todas as cenas em que Lugosi deveria aparecer com sua capa negra característica. Tim Burton reproduziu com maestria e lirismo o tormento final do ator em seu Ed Wood, entregando a um sublime Martin Landau a honraria de reviver Bela Lugosi. Tarefa que o veterano ator americano executa de forma emocionada e tocante.



No clássico trash de Ed Wood, o réquiem.

Bela entregou-se de tal forma ao personagem ícone que o alimentava e destruía que esqueceu de si. E deixou-se ser sugado lenta e dolorosamente pelo fantasma de um outro inventado. Acabou velho, pobre, só e viciado, talvez acreditando na imortalidade inalcançável que o mito lhe traria. Não teve tempo de orgulhar-se da admiração de uma nova geração de apreciadores do horror, que compreendem o impacto de seu trabalho no cinema e a força de sua figura no imaginário fantástico.


É o símbolo de um dom cruel, ao mesmo tempo encantador e repulsivo, patético e profundo. Hoje sua performance tem algo de maldição, uma aura trágica de inevitabilidade, como se assistíssemos à atuação de um morto-vivo. “Undead!”, como gemia o Bauhaus em Bela Lugosi’s Dead, espécie de hino gótico oitentista.


Sua sina não tem fim.


A atmosfera densa que produzia, de uma angústia sombria e elegante, de mistério e horror, continua provocando calafrios.


Renato Turnes

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